Entrevista com Dr. Alexei Gama Cavalcanti
07 de Dezembro de 2023 - Escrito por Yasmin Rana de MirandaDr. Alexei Gama possui dupla-graduação, sendo médico, graduado pela UNIRIO e cirurgião-dentista graduado pela UFRJ. Pela medicina, possui especialização em cirurgia geral pela PUC/RJ, pós-graduação em medicina de emergência pelo IDOR-RJ e residência em cirurgia plástica pelo Hospital da Plástica/RJ. É membro efetivo da SBCP. Pela odontologia, possui mestrado acadêmico em implantodontia pela Faculdade São Leopoldo Mandic (Campinas/SP), especialização em implantodontia pela Universidade Veiga de Almeida (RJ) e especialização em endodontia pela UFRJ. É fundador e diretor da Clínica Vitruviana - medicina e odontologia
1) Dr. Alexei, sua carreira abrange tanto a medicina quanto a odontologia, com especializações em cirurgia geral e cirurgia plástica. Como essa combinação única de conhecimentos influenciou sua abordagem para o tratamento de pacientes e sua pesquisa com células-tronco na regeneração de tecidos?
Desde o início da minha formação odontológica, já me causava muita curiosidade o fato de algumas regiões da cavidade oral regenerarem sem nenhum tipo de formação de cicatriz. Por exemplo, quando extraíamos um dente, o alvéolo e a mucosa gengival fechavam e regeneravam sobre o osso alveolar sem nenhum tipo de cicatriz. Aquilo me causou um questionamento que só veio a ser respondido depois durante a minha formação médica, principalmente quando decidi fazer cirurgia plástica e percebi que a cicatriz era uma consequência quase que inevitável de qualquer tipo de procedimento cirúrgico. A cirurgia plástica se tornou muito diferenciada, na verdade, pela qualidade de manipulação dos tecidos moles e na capacidade de esconder ou de tornar as cicatrizes cirúrgicas minimamente visíveis ou pelo menos escondidas em áreas do corpo pela roupa. Mas mesmo assim, aquela pergunta de por que o organismo forma a cicatriz, por que é inevitável que esse processo ocorra, continuava me estimulando a tentar buscar uma resposta. E foi estudando as células-tronco de forma mais profunda, que eu entendi que realmente alguns tecidos do corpo mantêm uma capacidade regenerativa maior do que outros tecidos, como por exemplo, o tecido ósseo, o tecido hepático, enquanto outros tecidos mantêm uma capacidade regenerativa muito limitada e dependem muito da cicatrização, que é a formação de um tecido anormal, na verdade, diferente do tecido original com grande acúmulo de colágeno desorganizado e fibroblastos que só tem por objetivo juntar as feridas, fechar o espaço lesado e não devolver aquele tecido a sua forma e função originais. Então, essa junção de conhecimento de observar tanto o que acontecia na boca, nos tecidos orais, quanto o que acontecia no resto do organismo, me ajudou muito a perceber a importância das células-tronco e, principalmente, o quanto elas são importantes no nosso corpo para que seja possível a busca por processos mais regenerativos após lesões e feridas do que cicatriciais, que é o que acontece normalmente.
Dr. Alexei Gama realizando cirurgia
2) Você realizou pesquisas relacionadas ao uso de células-tronco mesenquimais na prevenção e tratamento de cicatrizes hipertróficas e queloides após feridas cirúrgicas. Poderia compartilhar conosco os principais resultados de suas pesquisas e como essas descobertas podem impactar a prática clínica?
As cicatrizes hipertróficas são muito mais comuns que as queloides e são realmente uma consequência muito indesejável, mas que infelizmente acontece com alguns pacientes das cirurgias estéticas e também não estéticas, pois elas tornam as cicatrizes muito mais perceptíveis, volumosas, pruriginosas, causando muito mais desconforto ao paciente, tanto funcional quanto estético. Já as quelóides são um distúrbio mais grave quando aquele tecido cicatricial se comporta praticamente como um tumor - um tumor benigno - mas que se expande e ultrapassa os limites da cicatriz original. Alguns tipos de pacientes, principalmente os de pele negra, têm mais predisposição genética a desenvolver esses tipos de consequências. O fato é que esse tecido cicatricial é exacerbado e se multiplica de forma descontrolada. As células-tronco, nesses tipos de cicatrizes, têm muito mais poder em prevenir e evitar, do que tratar a sequela. Porque após a cicatriz hipertrófica e queloides serem organizadas e formadas, as células-tronco conseguem diminuí-las, mas não eliminá-las por completo. As células-tronco possuem uma característica inerente de imunomodulação. Elas são imunoprivilegiadas, de forma que, além de não serem reconhecidas pelo sistema imunológico do hospedeiro, atuam como um agente antiinflamatório, regulando e trazendo células que diminuem o processo inflamatório local. Todo processo de cicatrização, principalmente os descontrolados, como esses tipos de cicatrizes, se baseiam em processos inflamatórios também descontrolados. Então, além das células-tronco conseguirem se diferenciar em tipos celulares que favoreçam a regeneração dos tecidos locais, sua ação imunomoduladora, antiinflamatória, tem caráter fundamental no controle desses tipos de patologia. Portanto, o uso desse tipo de célula nesses pacientes que possuem predisposição a esse tipo de lesão é bastante relevante. Eu diria que é até mais primordial e necessário do que em um paciente que possua um tipo de cicatrização menos agressiva.
"A terapia celular amplifica as possibilidades terapêuticas, possibilita tratar e enfrentar as doenças de uma forma totalmente diferente do que estamos acostumados hoje, porque ela é capaz de perceber a necessidade daquele organismo"
3) Uma das suas especializações é em medicina de emergência e você também estudou o uso de células-tronco mesenquimais no tratamento da COVID-19. Poderia nos explicar como essas células-tronco são aplicadas no contexto da COVID-19 e quais resultados preliminares ou observações interessantes você fez?
Talvez seja muito complexo para o público geral e até mesmo para a comunidade médica, compreender como as células-tronco podem agir no contexto de uma doença infecciosa tão grave e tão complexa como foi a Covid-19. Na verdade, quando a gente pensa em Covid-19, no auge da pandemia, nós lembramos de toda aquela cascata inflamatória descontrolada - a tempestade de citocinas que acontecia no organismo dos pacientes acometidos pela Covid-19. Essa inflamação sistêmica e grave gerava toda a sintomatologia e afetava o tecido pulmonar e os tecidos vasculares, levando o paciente normalmente ao óbito. Naquele momento, em que a humanidade ainda não possuía um sistema imunológico capaz de lidar com aquele vírus e tão poucas vacinas, se buscavam soluções dentro do que já existia, mesmo que fosse apenas ainda um testagem clínica de pesquisa, como eram as células-tronco mesenquimais para alguns tipos de doenças auto-imunes. Então a característica de imunomodulação e de controle anti-inflamatório potente da terapia celular com as células-tronco se mostrou mais uma vez fantástica no controle dos sinais e sintomas dessa doença. Na verdade, as células-tronco não combatem o vírus, elas reduzem a consequência daquela infecção viral no organismo, que é uma inflamação sistêmica grave e, dessa forma, controlando a inflamação, as células-tronco tornavam a sobrevivência do paciente possível. Então o uso das células-tronco foi uma das formas de se combater a covid-19 que tiveram êxito, mas que infelizmente, com dificuldade ainda técnica de se isolar, multiplicar e se distribuir essas células no momento da pandemia, a gente ainda não estava pronto, com estrutura a nível nacional e mundial, para poder usá-las como uma terapia de alta abrangência populacional. Isso nos faz refletir que precisamos dessa estrutura - de bancos de células organizados e um sistema de distribuição eficaz - para que a medicina possa utilizar as células-tronco de uma maneira rápida e eficaz no tratamento de doenças agudas.
"Para isso, precisamos ter consciência de que termos dessas células-tronco coletadas e criopreservadas, é muito importante como um seguro de saúde, porque no momento que precisarmos delas, é fundamental que elas já estejam multiplicadas e prontas para uso"
4) Como fundador e diretor da Clínica Vitruviana, você lida com diversas áreas da medicina e odontologia. Pode nos contar sobre os tipos de procedimentos e tratamentos oferecidos na sua clínica, e como a integração de diferentes especialidades beneficia os pacientes?
Um exemplo na cirurgia estética facial é o uso de próteses de silicone pela cirurgia plástica para uma harmonização do mento, feito normalmente sem um diagnóstico ortodôntico prévio e de possibilidades de cirurgia ortognática que esse paciente poderia ter, para um tratamento e uma avaliação muito mais precisa da odontologia em relação às deformidades dento-faciais que esse paciente possui, as necessidades orto cirúrgicas que ele possui e as possibilidades cirúrgicas como o avanço de mento, que traz muito mais estabilidade, função para esse paciente ao longo prazo do que uma prótese de silicone posicionada no mento. Esse é apenas um exemplo, assim como o inverso também é verdadeiro, procedimentos de harmonização que eventualmente um cirurgião dentista hoje é capaz de fazer, muitas vezes ele tenta extrapolar a indicação do material com preenchedores ou fios ou outros tipos de procedimento, como temos visto como rinomodelação, otomodelação, ou colocação desses materiais temporários em pacientes com ptose facial, que necessitariam de uma cirurgia plástica, estética, para a solução do caso, e não enxergam, eventualmente, as possibilidades que uma cirurgia plástica pode entregar para o paciente porque não foi uma área de conhecimento que eles tiveram aprofundamento. Na minha clínica, além de toda odontologia estética reabilitadora, desde próteses, implantes, cirurgias ortognáticas, ortodontia, realmente reabilitando funcionalmente e esteticamente o paciente, nós fazemos a medicina estética também voltada para a saúde, dentro da área da endocrinologia, tratamentos medicamentosos, hormonais, com orientação nutricional, suplementação e a medicina estética, cosmiatria, com todos os tipos de materiais para harmonização facial e corporal e a cirurgia plástica, que eu considero dentro de todo esse complexo de especialidades, uma cereja do bolo, a especialidade fim e não inicial, que vai entregar pro paciente, um resultado final do tratamento, quando as outras especialidades não puderam suprir os seus desejos e anseios de melhoria. Nesse conjunto de procedimentos, a aplicação de células-tronco é o que, atualmente, nós fazemos de mais inovador. Através de uma parceria com a R-Crio - através de uma franquia - nós somos a primeira franquia R-Crio no Rio de Janeiro. Nós fazemos a coleta das células-tronco dos pacientes interessados e já estamos preparando a clínica para a aplicação dessas células-tronco, algo que já está acontecendo - as autorizações dos órgãos governamentais para a utilização das células-tronco em casos especiais já estão acontecendo, além da nossa rotina de pesquisa clínica, em que podemos utilizar as células-tronco.
Vale acrescentar que os dentistas têm mais facilidade na coleta das células-tronco porque, além da polpa dentária, que é uma opção de coleta, nós temos feito a coleta do palato e os dentistas estão muito habituados a fazer manipulação na cavidade oral, no palato. Então, para um dentista é muito mais simples fazer essa pequena biópsia e remover o tecido do periósteo do palato para enviar para a R-Crio do que, por exemplo, um médico, que talvez possa ficar desconfortável em realizar um procedimento intra oral no seu consultório, que pode gerar sangramento. Assim, a odontologia, como fornecedora, talvez seja mais forte do que a medicina pela estrutura e capacitação que os dentistas têm para fazer esse tipo de coleta.
Dr. Alexei Gama e Dra. Patrícia Menezes na Clínica Vitruviana
5) A pesquisa com células-tronco é uma área em constante evolução. Quais são suas perspectivas para o futuro da pesquisa e aplicação de células-tronco em procedimentos cirúrgicos e terapêuticos, tanto na sua área de cirurgia plástica quanto na medicina em geral?
A terapia celular, ou seja, terapia com células vivas, é a nova revolução da medicina e da odontologia. Acredito que futuramente teremos uma divisão em tratamentos com medicamentos tradicionais, ou seja com um tipo de molécula, que possui um alvo específico e que sabemos que apresenta diversas limitações e efeitos colaterais, versus a terapia celular, que é a introdução no organismo de células vivas com seu DNA íntegro, ativo, capazes de produzir milhares, talvez milhões de substâncias de acordo com a necessidade do micro ambiente que ela se encontra. Então, a terapia celular amplifica as possibilidades terapêuticas, possibilita tratar e enfrentar as doenças de uma forma totalmente diferente do que estamos acostumados hoje, porque ela é capaz de perceber a necessidade daquele organismo, incluindo a especificação do local da lesão, e produzir as citocinas, proteínas e os complexos necessários para ativar uma rede de outras células e estímulos que possam contribuir para a cura da doença ou lesão. Para isso, precisamos ter consciência de que termos dessas células-tronco coletadas e criopreservadas, é muito importante como um seguro de saúde, porque no momento que precisarmos delas, é fundamental que elas já estejam multiplicadas e prontas para uso, uma vez que nós sabemos que o processo de isolamento e multiplicação pode levar na faixa de um mês e a maioria das doenças agudas precisarão dessas células de imediato. Então, é muito importante a multiplicação desses bancos de células por todos os estados do país e o estabelecimento de uma rede de distribuição eficiente para que essas células cheguem aos hospitais e clínicas, de maneira similar ao que temos hoje, por exemplo, com os órgãos para transplante.
Dr. Adalberto é Professor Titular da USP, especialista em cirurgia buco-maxilo-facial e pesquisa sobre regeneração óssea, células-tronco mesenquimais, biocompatibilidade e implantes de titânio
Dr. Daniel J. Kota é diretor no Houston Methodist Research Institute, especialista em células-tronco, com pós-doutorado na University of Texas HSC, com ampla experiência em biologia celular e molecular
Dra. Rosana é professora e pesquisadora na FMP/UNIFASE, com foco em biologia celular, terapias avançadas e medicina regenerativa. Responsável pela implementação do CPC da UNIFASE