Confiabilidade e ética na pesquisa médica: o papel vital das Boas Práticas Clínicas na condução de estudos com células-tronco mesenquimais

As Boas Práticas Clínicas, estabelecidas pela Conferência Internacional de Harmonização, padronizam critérios éticos e científicos universais para a condução de ensaios clínicos. No Brasil, a ANVISA desempenha um papel fundamental nesse processo. O recente padrão ICH E6 (R2) destaca a importância da gestão de riscos e garantia de integridade dos dados nos ensaios clínicos. Assim, a implementação das Boas Práticas Clínicas é crucial para garantir a credibilidade dos estudos com células-tronco mesenquimais, promovendo a confiança no desenvolvimento de tratamentos inovadores.

As células-tronco mesenquimais (CTMs) podem ser obtidas a partir de diversos tecidos do corpo humano como a medula óssea, o tecido adiposo e o sangue. Sua capacidade de diferenciação em diversos tipos de células possibilita que elas sejam usadas no tratamento de várias doenças.

Para que as CTMs sejam registradas pelas autoridades regulatórias como um produto de terapia avançada e possam ser usadas como forma de tratamento para diferentes condições médicas, é necessária a realização de ensaios clínicos visando obter evidências sobre sua eficácia e segurança. A condução desses estudos deve seguir padrões nacionais e internacionais, garantindo a solidez científica e obedecendo a princípios éticos e científicos universais que visam salvaguardar a integridade dos participantes.

Na última década, a harmonização de padrões para boas práticas na pesquisa clínica tornou-se uma necessidade para facilitar a aceitação de dados, mesmo quando os ensaios são realizados em diferentes países. A Conferência Internacional de Harmonização (ICH) desempenhou um papel crucial nesse processo, elaborando diretrizes que padronizam critérios em diversas áreas relativas a medicamentos. E assim, foram estabelecidas as Boas Práticas Clínicas (BPC).

As BPC representam um padrão internacional de ética e qualidade científica essencial para a condução de ensaios clínicos. Elas asseguram a credibilidade e precisão dos dados, bem como a proteção dos direitos, integridade e confidencialidade dos participantes do ensaio. O cumprimento desse padrão proporciona uma garantia pública de que os direitos, a segurança e o bem-estar dos participantes estão protegidos, alinhados aos princípios da Declaração de Helsinque (conjunto de princípios éticos que regem a pesquisa com seres humanos), e que os dados do ensaio clínico são credíveis.

Os princípios básicos das BPC incluem a importância dos resultados para a ciência e sociedade, a garantia dos direitos e bem-estar dos participantes, a condução de ensaios conforme protocolos aprovados, a necessidade de informações não-clínicas adequadas, e a realização de estudos por profissionais qualificados. A integridade dos dados, a privacidade dos registros e a implementação de sistemas que assegurem a qualidade de cada aspecto do ensaio também são destacados.

No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) desempenha um papel fundamental, favorecendo e orientando o cumprimento das BPC. A ANVISA avalia protocolos, autoriza a condução dos estudos clínicos, verifica a qualidade e segurança dos medicamentos experimentais e estabelece regulamentações para garantir a validade dos dados gerados pela pesquisa. Além disso, a recente Resolução da Diretoria Colegiada RDC 09/2015 busca harmonizar a legislação nacional com diretrizes internacionais, oferecendo eficiência administrativa na avaliação de ensaios clínicos no âmbito da ANVISA e incentivando o desenvolvimento de pesquisas no país.

O Guia de BPC do ICH estabelece um padrão unificado para a União Europeia, Japão e Estados Unidos, buscando facilitar a aceitação mútua de dados clínicos pelas autoridades regulatórias nessas jurisdições. Ele foi desenvolvido levando em consideração as BPC de diversas regiões, como Austrália, Canadá, países nórdicos e a Organização Mundial de Saúde (OMS). Sua aplicação é essencial sempre que são gerados dados de ensaios clínicos a serem submetidos às autoridades regulatórias.

O ICH E6 (R2) é um padrão internacional recente que aprimora o acompanhamento dos testes clínicos, orientando as pesquisas de acordo com as diretrizes da Conferência Internacional de Harmonização.

Para que haja um melhor gerenciamento da qualidade do produto de terapia avançada, preconizado pelo ICH E6 (R2), é necessária a implementação de sistemas que cubram todas as etapas dos ensaios clínicos, priorizando atividades essenciais para a proteção dos participantes e a confiabilidade dos resultados. Essa abordagem inclui alguns atributos, como identificação de riscos, avaliação, controle e comunicação de riscos. A integridade dos dados é fundamental, e a orientação destaca a necessidade de garanti-la ao realizar alterações nos sistemas computadorizados. 

A orientação ICH E6 (R2) também ressalta a importância de um plano de monitoramento adaptado aos riscos específicos, descrevendo estratégias, responsabilidades e métodos a serem empregados. Relatórios de monitoramento devem ser detalhados, documentando desvios e ações corretivas.

Em geral, as BPC têm evoluído para abordar desafios modernos, como o uso de novas tecnologias. O foco em práticas de qualidade baseadas em risco visa aumentar a eficiência, segurança do paciente e a qualidade dos dados, proporcionando potenciais economias de custos nos ensaios clínicos. 

No contexto do uso de CTMs, as BPC destacam a importância de:

  • Selecionar cuidadosamente os participantes dos estudos: os participantes devem ser selecionados com base em critérios claros e objetivos, que levem em consideração os riscos e benefícios da terapia. Por exemplo, os participantes devem ser selecionados com base na idade (geralmente são escolhidos com idade entre 18 e 65 anos), na condição clínica e no tipo de doença a ser tratada.
  • Obter o consentimento livre e esclarecido dos participantes: os participantes devem ser informados sobre os riscos e benefícios da terapia, de forma clara e compreensível e devem ser informados sobre a possibilidade de efeitos colaterais, e devem ter a oportunidade de fazer perguntas.
  • Conduzir o estudo de forma segura e ética: O estudo deve ser conduzido de acordo com um protocolo aprovado pelo Comitê de Ética da instituição responsável pelo estudo. O protocolo deve conter informações detalhadas sobre o estudo, incluindo os objetivos, os procedimentos e os riscos envolvidos.

No documento ADENDO INTEGRADO AO ICH E6(R1): GUIA DE BOAS PRÁTICAS CLÍNICAS E6(R2), estão descritos os princípios das BPC da ICH em maiores detalhes:

  1. Ensaios clínicos devem ser conduzidos em conformidade com os princípios éticos estabelecidos na Declaração de Helsinque e de forma consistente com as BPC e a(s) exigência(s) regulatória(s) aplicável(eis).
  2. Antes que um ensaio seja iniciado, os riscos e inconveniências previsíveis devem ser ponderados em função do benefício esperado para cada participante do ensaio e para a sociedade. Um ensaio só deve ser iniciado e continuado se os benefícios esperados justificarem os riscos. 
  3. Os direitos, a segurança e o bem-estar dos participantes do ensaio são as considerações mais importantes e devem prevalecer sobre os interesses da ciência e da sociedade. 
  4. As informações clínicas e não clínicas disponíveis sobre um medicamento experimental devem ser adequadas para consubstanciar o ensaio clínico proposto. 
  5. Ensaios clínicos devem ser cientificamente robustos e descritos em um protocolo claro e detalhado. 
  6. Um ensaio deve ser conduzido em conformidade com o protocolo que tenha recebido a aprovação prévia/parecer favorável do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP)/Comitê de Ética Independente (CEI). 
  7. Os cuidados médicos concedidos ao participante e as decisões médicas tomadas em seu nome devem estar sempre sob responsabilidade de um médico qualificado ou, conforme o caso, de um dentista qualificado. 
  8. Cada indivíduo envolvido com a condução de um ensaio deve ser academicamente qualificado, treinado, e com experiência para realizar sua(s) respectiva(s) tarefa(s).
  9. Consentimento livre e esclarecido deve ser obtido para cada participante antes da sua participação no ensaio clínico. 
  10. Todas as informações do ensaio clínico devem ser registradas, manuseadas e arquivadas de uma forma que permita sua notificação, interpretação e verificação exatas (independentemente do tipo de mídia usada para registrar)
  11. A confidencialidade dos registros que possam identificar os participantes deve ser protegida, respeitando as regras de privacidade e confidencialidade e em conformidade com a(s) exigência(s) regulatória(s) aplicável(eis). 
  12. Medicamentos experimentais devem ser fabricados, manuseados e armazenados em conformidade com as Boas Práticas de Fabricação (BPF) aplicáveis. Eles devem ser usados em conformidade com o protocolo aprovado.
  13. Devem ser implementados sistemas com procedimentos que garantam a qualidade de cada aspecto do ensaio. 

Em conclusão, as BPC desempenham um papel fundamental na condução ética, segura e eficaz de ensaios clínicos envolvendo CTMs. O recente padrão ICH E6 (R2) aprimora o acompanhamento dos testes clínicos, focando na gestão de riscos e na integridade dos dados. A implementação desses padrões é crucial para garantir a credibilidade, precisão e segurança dos estudos, contribuindo assim para o avanço das terapias com CTMs e promovendo a confiança pública no desenvolvimento de tratamentos inovadores. 

Referências:

RDC 09/2025: resolução da diretoria colegiada – rdc nº 9, de 20 de fevereiro de 2015 

Guia de Boas Práticas Clínicas: Guia de Boas Práticas Clínicas ICH E6(R2) – Anvisa 

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