Entrevista com Dr. André Antonio Pelegrine

Dr. André Antonio Pelegrine é graduado em Odontologia pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas, mestre em Implantodontia pela Universidade de Santo Amaro, doutor em Clínica Médica pela Unicamp e pós-doutor pela Universidade Federal de São Paulo. Atualmente é professor coordenador da disciplina de Implantodontia da Faculdade de Odontologia São Leopoldo Mandic, e também Pesquisador Visitante na Universidade da Flórida, onde realiza pesquisa em parceria com Kennedy Space Center International Academy (KSCIA, EUA). 

1) Dr. Pelegrine, sua carreira é notável por abranger diversas áreas da Odontologia, incluindo Implantodontia e Periodontia. Poderia compartilhar conosco como a pesquisa em células-tronco têm impactado essas áreas e quais são as aplicações mais promissoras no contexto odontológico?

As células-tronco vêm sendo muito estudadas nas áreas de Periodontia e Implantodontia, especialmente com relação aos seus potenciais regenerativos. Ambas as especialidades lidam com a demanda reconstrutiva, sendo que o potencial das células-tronco se diferenciarem em células ósseas faz com que representem uma grande ferramenta clínica. Entretanto, na atualidade, a ciência não vem limitando o uso de apenas células vivas, mas também de produtos das células-tronco, como as suas vesículas extracelulares. Neste cenário, já existe um consenso na literatura científica de que essas metodologias contribuem para a regeneração do tecido ósseo. Na Odontologia, além da Periodontia e da Implantodontia, o campo da regeneração da polpa dental (na Endodontia) por meio da terapia celular também parece bastante promissor. 

Dr. André Pelegrine ministrando palestra sobre sua pesquisa

2) Seu trabalho inclui parcerias internacionais, incluindo pesquisas realizadas em colaboração com o Kennedy Space Center International Academy (KSCIA), nos EUA. Poderia nos contar um pouco sobre essa pesquisa?

Essa parceria com o KSCIA foi alinhada pelo Dr. José Ricardo Muniz Ferreira (Presidente de R-Crio Células-Tronco), que possui uma patente relativa à obtenção de células-tronco do periósteo (membrana que recobre os ossos) do palato (céu da boca) junto comigo. Nos pareceu fazer todo sentido estudar o comportamento dessas células em ambiente microgravitacional, já que o periósteo é imprescindível no reparo ósseo e que, em baixa gravidade, o tecido ósseo apresenta importante diminuição de densidade. Algumas instituições americanas, tais como o KSCIA, o Michaelis Foundation for Global Education e a Universidade da Flórida, também enxergaram a importância do estudo e abraçaram a causa. Com isso, no início de 2024 traremos resultados sobre as alterações causadas a nível celular e molecular, além de propostas para se minimizar os danos da baixa gravidade ao tecido ósseo.

Dr. André Pelegrine trabalhando com cultivo celular em fluxo laminar

3) Como professor coordenador da disciplina de Implantodontia e coordenador de cursos de Especialização e Mestrado em Implantodontia/Prótese, qual é o papel das células-tronco na formação de futuros profissionais da Odontologia? 

O profissional moderno deve estar preparado para as inovações tecnológicas, e isso vale muito no âmbito da reabilitação oral. Com o aumento da longevidade da população continuaremos tendo grande demanda para as reconstruções teciduais, já que após a perda de um dente instala-se um processo progressivo de atrofia óssea local. Alguns níveis de atrofia fazem com que o cirurgião, ainda hoje, tenha que remover osso de outro local do organismo (por exemplo do osso da bacia) para enxertar no maxilar. Não consigo conceber a ideia de continuarmos fazendo isso por muito mais tempo… Não tenho dúvidas de que as células-tronco são a chave para esse tipo de situação.

Com o aumento da longevidade da população continuaremos tendo grande demanda para as reconstruções teciduais

4) Você é autor de livros que abordam tópicos como transplantes ósseos na Odontologia e células-tronco em Implantodontia. Pode destacar algumas descobertas ou técnicas inovadoras que são discutidas em seus livros e que podem ser particularmente relevantes para a comunidade odontológica?

A grosso modo, podemos trabalhar com as células-tronco  em procedimentos de aumentos ósseos de 3 diferentes formas: (1) concentrando essas células, por meio de manipulação mínima, de tecidos fonte que permitam coleta em grande volume (por exemplo medula óssea); (2) isolando as células-tronco e as cultivando em laboratório, para posterior implantação (por exemplo ao se usar células-tronco da polpa dental associadas a um material sintético); (3) obtendo produtos de células-tronco que podem ser liofilizados e associados a outros biomateriais (por exemplo vesículas extracelulares das células-tronco associadas a um carreador). 

Uma contribuição científica do nosso grupo, que considero bastante relevante, foi a verificação de adequados tecidos fontes de células-tronco para regeneração óssea. Por exemplo, comprovamos cientificamente que células-tronco de alguns tecidos performam melhor do que de outros, na regeneração óssea. A minha atuação como professor e pesquisador da Faculdade São Leopoldo Mandic e parcerias científicas com instituições como a R-Crio e ANADEM, contribuíram para a possibilidade da publicação de dois livros e uma série de artigos científicos do nosso grupo para essas três metodologias acima ponderadas.

Recentemente o Brasil deu um grande passo dentro do escopo regulatório, por meio das RDCs 505/2021, 506/2021 e 508/2021.

5) Além das aplicações clínicas, as pesquisas em células-tronco também têm implicações éticas e regulatórias. Quais são as considerações éticas e regulatórias mais importantes que os pesquisadores, dentistas e médicos devem ter em mente ao trabalhar com células-tronco na área da Odontologia?

Pesquisadores, sempre que delineiam um estudo com células, devem submeter o projeto de pesquisa ao comitê de ética em pesquisa para análise. Se a pesquisa implicar no uso das células em humanos, ela precisará ser registrada no sistema CEP/CONEP. Enfim, para se trabalhar com ética em pesquisa é preciso o respeito aos órgãos regulatórios. No passado, a falta de respeito a esses preceitos em pesquisas com células-tronco renderam alguns escândalos, especialmente relativos ao uso de células-tronco embrionárias. 

Além das pesquisas, a prática clínica também é regulada por órgãos competentes, que devem ser respeitados. Portanto, médicos e cirurgiões-dentistas precisam entender o momento de se poder trabalhar com terapia celular, devendo se pautar pelas decisões regulatórias. Recentemente o Brasil deu um grande passo dentro do escopo regulatório, por meio das RDCs 505/2021, 506/2021 e 508/2021. Nesse cenário, é patente o iminente ingresso efetivo da nossa área no campo da terapia celular, engenharia tecidual e Medicina Regenerativa. 

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