Como um paciente pode solicitar um tratamento com células-tronco mesenquimais no Brasil?
23 de Janeiro de 2024 - Escrito por Yasmin Rana de MirandaAs células-tronco mesenquimais (CTMs) são de grande interesse para tratamento de diversas doenças. Porém, no Brasil, seu uso ainda está em desenvolvimento, sendo considerado experimental. A preservação das CTMs em Centros de Processamento Celular (CPCs) é crucial, e a solicitação para uso terapêutico ocorre através de médicos, seguindo um processo específico junto à Anvisa. O presente artigo detalha os procedimentos para solicitar células armazenadas, seja por meio de ensaios clínicos ou do uso compassivo. A transparência, documentos específicos e compreensão dos requisitos são fundamentais nesse processo, enfatizando a importância da informação para decisões conscientes.
As células-tronco mesenquimais (CTMs) possuem capacidade de se diferenciar em vários tipos de células do organismo, o que as torna promissoras para o tratamento de diversas condições médicas como: doenças ortopédicas, cardiovasculares, neurológicas, pulmonares, cutâneas e do sistema imunológico. Essas células podem ser obtidas de diferentes fontes, como: medula óssea, o cordão umbilical, o tecido adiposo, periósteo do palato (céu da boca), polpa dental, entre outras.
Porém, embora elas apresentem esse grande leque de possibilidades de aplicações, sua utilização no Brasil, atualmente, ainda está em desenvolvimento. Diferentemente das células-tronco hematopoiéticas (CTHs), que já são aplicadas como terapias aprovadas no país para tratamento de doenças hematológicas (do sangue), os tratamentos com CTMs ainda são considerados experimentais. Atualmente, é possível realizar esses tratamentos somente em alguns centros de pesquisa e hospitais do país.
Centros envolvidos no uso terapêutico de CTMs
Para viabilizar a utilização das CTMs, tanto nos próprios pacientes doadores quanto em outros pacientes, o armazenamento (criopreservação) delas é um processo fundamental. Tanto a preservação quanto o uso destas células exige uma compreensão minuciosa do processo, desde a busca por informações confiáveis até a colaboração entre centros de coleta, centros de processamento celular, centros de terapia celular e agências reguladoras. Neste contexto, o presente artigo visa funcionar como um guia sobre como solicitar CTMs para o tratamento de diversas condições.
Preservar células para tratamentos futuros é uma decisão significativa que demanda cuidado, pesquisa e discernimento. Atualmente, existem centros especializados nesse serviço, denominados Centros de Processamento Celular (CPCs), os quais desempenham um papel crucial, sendo responsáveis tanto pela manipulação e controle de qualidade das células, quanto pela preservação das mesmas, atuando como bancos de armazenamento de células. Ao considerar a preservação de células, é fundamental consultar fontes confiáveis e buscar centros que sejam engajados em pesquisa.
Quando um paciente procura um CPC, é vital que esteja atento a diferentes aspectos. A transparência sobre as tecnologias utilizadas, a infraestrutura de pesquisa, e a capacidade de fornecer informações detalhadas são critérios importantes. Além disso, a disponibilidade de documentos relacionados à preservação e à utilização das células deve ser considerada para uma decisão informada.
É importante ressaltar que o CPC não realiza a terapia em si. Os centros responsáveis por esse processo são os Centros de Terapia Celular (CTC). Uma vez que as células estão armazenadas, surge a questão de quem pode requisitá-las. Diferentemente de outros serviços, é o médico responsável pelo tratamento que faz o pedido, não o paciente. Portanto, é crucial que os médicos estejam bem informados sobre como proceder nesse contexto. Após o pedido do médico, as células armazenadas são descongeladas, testadas e enviadas de acordo com as especificações solicitadas, garantindo a integridade do material.
Para requisitar as células armazenadas, o médico deve seguir um processo específico junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Isso inclui o preenchimento de documentação adequada, detalhando a finalidade do uso das células e seguindo as normativas estabelecidas pela Anvisa. Esse procedimento visa garantir a segurança e a eficácia do tratamento, protegendo tanto o paciente quanto o profissional de saúde.
Como mencionado nos textos 1 e 2 do Portal, há duas formas em que os médicos podem solicitar o uso de células: por meio de um ensaio clínico e por meio do uso compassivo. Ambas as opções oferecem oportunidades valiosas para tratamentos inovadores, mas é essencial que os médicos compreendam os requisitos específicos para cada abordagem.
Uso compassivo
O uso compassivo (também chamado uso de compaixão) pode acontecer somente quando a doença é muito grave, incapacitante ou coloca a vida do paciente em risco e também quando não há alternativa terapêutica satisfatória disponível.
Para utilização das células de modo compassivo, não é necessário o registro na Anvisa. Assim, esta abordagem permite que os médicos usem terapias celulares que ainda não foram totalmente aprovadas. Para solicitar o uso compassivo de células-tronco mesenquimais, é necessário apresentar os seguintes documentos à Anvisa:
- Formulário de solicitação de uso compassivo, devidamente preenchido e assinado pelo médico responsável pelo paciente
- Formulário que assegure o cumprimento de Boas Práticas de Fabricação (BPF) do produto a ser utilizado
- Laudo médico que ateste a gravidade da doença e a inexistência de alternativas terapêuticas disponíveis
- Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), assinado pelo paciente ou responsável legal
- Plano de tratamento, incluindo a justificativa da utilização das células-tronco mesenquimais, o procedimento a ser realizado e os possíveis riscos e benefícios do tratamento
Além dos documentos acima, a Anvisa também pode solicitar outros documentos, como:
- Estudos clínicos que comprovem a eficácia e a segurança das células-tronco mesenquimais para o tratamento da doença em questão
- Parecer de um comitê de ética em pesquisa
É importante ressaltar que o uso compassivo é uma modalidade de tratamento experimental, que pode apresentar riscos. Por isso, é fundamental que o paciente esteja ciente dos possíveis benefícios e riscos do tratamento antes de dar seu consentimento.
Ensaios clínicos
Os ensaios clínicos tem como objetivo avaliar a segurança e eficácia terapêutica dos tratamentos em uma condição clínica específica, ou seja, são realizados testes muito bem controlados com o produto de terapia avançada (PTA) a ser avaliado. No Brasil, para que um estudo clínico possa acontecer, além da avaliação e aprovação pela Anvisa, o projeto proposto pelo médico também deve ser submetido à avaliação pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) e pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), que são órgãos que julgam se a pesquisa é ética. Os documentos necessários para realização de ensaios clínicos com CTMs no Brasil são os seguintes: Protocolo do ensaio clínico, Brochura do investigador, Documentação do Produto de Terapia Avançada (PTA), Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), Documentação do centro clínico, Currículos dos Investigadores Principais, Registro do Ensaio Clínico na Plataforma Brasil, Documentação do Patrocinador, Autorização do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) e da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP).
No próximo texto do Portal, será feita uma descrição mais detalhada dos documentos necessários para realização de um ensaio clínico.
Em resumo, a jornada da preservação das CTMs e sua utilização como terapia envolve a colaboração entre os centros de processamento, de terapia celular, o paciente e o médico responsável. A informação é a chave para uma decisão consciente, desde a escolha do CPC até o pedido do médico e o subsequente uso das células preservadas. Disponibilizar documentos relevantes é parte integrante desse processo, assegurando que todos os envolvidos estejam bem informados e comprometidos com os mais altos padrões de prática médica.
Referências:
Artigo que fala sobre o cenário regulatório de terapias avançadas:
An overview of the regulatory framework for advanced therapies
Artigo que compara a legislação brasileira para aprovação de produtos de terapia avançada com a legislação de outros países:
Formulário de Comunicação de Produto de Terapia Avançada não passível de registro:
Documentação que assegura o cumprimento de Boas Práticas de Fabricação (BPF) - Produto de Terapia Avançada isento de registro: