Desafios e riscos do uso de terapias celulares não comprovadas
04 de Janeiro de 2024 - Escrito por Yasmin Rana de MirandaA medicina regenerativa testemunha a aprovação global de dezenas de produtos baseados em células, tecidos e genes, enquanto muitos outros estão em diferentes fases de pesquisa. No entanto, essa trajetória promissora deu origem a uma indústria que, por vezes, comercializa prematuramente produtos sem evidências substanciais de segurança e eficácia. O termo "terapias não comprovadas" abrange terapias experimentais, acesso expandido, uso compassivo e terapias não autorizadas. O presente texto explora com mais detalhes cada uma dessas modalidades e ressalta os riscos associados ao uso de terapias não autorizadas, uma vez que elas incluem falta de segurança, exposição a perigos potenciais e ausência de divulgação de resultados. É crucial que os pacientes estejam cientes desses riscos, busquem informações imparciais e consultem profissionais de saúde antes de considerar o uso de qualquer tipo de terapia.
O campo da medicina regenerativa, com foco especial em terapia celular, está vivenciando uma ascensão notável. Dezenas de produtos fundamentados em células, tecidos e genes obtiveram aprovação para comercialização em todo o mundo, enquanto centenas a milhares estão em fase pré-clínica ou sob investigação em ensaios clínicos. Contudo, essa promissora trajetória também deu origem a uma indústria global que comercializa prematuramente produtos celulares e baseados em células, muitas vezes sem evidências substanciais de segurança e eficácia.
O termo "terapias não comprovadas" refere-se a tratamentos que não receberam aprovação integral de uma entidade reguladora para uma aplicação específica. Essa categorização abrange as terapias experimentais, ainda em fase de avaliação de segurança e eficácia, as terapias não autorizadas, que não passaram por esse rigoroso processo, e o acesso expandido e uso compassivo, práticas excepcionais nas quais uma terapia experimental é disponibilizada a pacientes específicos antes de concluir o processo de aprovação, devido à gravidade da condição do paciente.
Terapias experimentais são geralmente administradas no contexto de ensaios clínicos, nos quais a segurança e eficácia ainda estão sob avaliação. Após demonstrar promissoras respostas em testes animais, o estudo proposto deve obter aprovação de uma comissão de ética antes de recrutar participantes humanos. Durante todo o processo, os participantes são monitorizados com cuidado, e qualquer evento adverso inesperado deve ser comunicado às autoridades reguladoras. Caso se evidencie que uma terapia não é eficaz ou implica riscos injustificáveis, o ensaio é interrompido.
O acesso expandido é um programa de disponibilização de medicamento novo, promissor, ainda sem registro na Anvisa ou não disponível comercialmente no país, que esteja em estudo clínico em fase III, em desenvolvimento ou concluído. Essa possibilidade é direcionada ao grupo de pacientes portadores de doenças debilitantes graves que ameacem a vida e sem alternativa terapêutica satisfatória.
O uso compassivo representa uma circunstância especial em que uma terapia experimental, que esteja em processo de desenvolvimento clínico, é aplicada para tratar uma doença sem ter obtido ainda a aprovação formal. Esta prática é reservada para doenças potencialmente fatais, duradouras ou gravemente debilitantes. Essa modalidade também permite a autorização da importação de medicamentos não registrados no país, que tratam doenças raras e graves.
As terapias não autorizadas, por sua vez, caracterizam-se por não terem sido submetidas ao processo de ensaios clínicos, não estando em andamento ou planejados testes para sua avaliação. Frequentemente oferecidas em clínicas privadas, essas terapias podem ser anunciadas como "tratamentos em investigação", aproveitando-se de brechas legais e fornecendo informações incompletas ou deturpadas. Elas não possuem as mesmas medidas de segurança dos tratamentos experimentais regulamentados.
Infelizmente, algumas organizações exploram a ambiguidade em torno das "terapias não comprovadas" para oferecer tratamentos não autorizados, desprovidos de respaldo científico. Isso pode ocorrer quando uma terapia foi aprovada apenas para um ensaio clínico de Fase 1, mas a organização continua a recrutar participantes sem alterar o processo. Discrepâncias na regulamentação entre diferentes países também podem ser exploradas, assim como a ausência de ensaios clínicos específicos para determinadas terapias.
É essencial que os pacientes estejam cientes dos riscos associados a terapias não comprovadas. Clínicas que oferecem tais terapias frequentemente destacam testemunhos de pacientes sobre o sucesso do procedimento, em vez de fornecer evidências revisadas externamente. Embora alguns pacientes possam experimentar benefícios devido ao efeito placebo ou a efeitos genuínos não estudados, também correm o risco de desenvolver eventos adversos, especialmente quando os efeitos não foram adequadamente investigados.
Os riscos da utilização de terapias não autorizadas são significativos e derivam da falta de supervisão e regulamentação adequadas. O processo de ensaios clínicos visa assegurar a segurança dos pacientes e verificar se a terapia melhora efetivamente a qualidade de vida. No entanto, as terapias não autorizadas carecem dessa supervisão, expondo os pacientes a potenciais perigos. Isso também impede que autoridades relevantes sejam informadas sobre problemas de segurança sérios ou se a terapia não proporciona alívio eficaz aos sintomas.
A ausência de avaliações éticas obrigatórias também contribui para o risco, já que muitas terapias eficazes podem ter efeitos colaterais indesejáveis, causando perturbações na vida dos pacientes. A responsabilidade de equilibrar benefícios e riscos cabe à comissão de ética, mas, sem supervisão, essas decisões são deixadas ao critério dos profissionais de saúde ou das clínicas. A falta de divulgação e publicação de resultados dificulta a avaliação pela comunidade científica, tornando desafiador para pacientes e cuidadores encontrar informações imparciais sobre a segurança e o sucesso de terapias não autorizadas que possam estar considerando.
É importante salientar que há um outro tipo de utilização de tratamentos denominado “off label” ou “fora da indicação”, que é referente a terapias já autorizadas para algum contexto específico que passam a ser utilizadas no tratamento de um problema diferente daquele para a qual foi aprovada, portanto, não é considerada como terapia não autorizada. Porém, embora a administração fora da indicação não seja considerada uma terapia não autorizada, pois a segurança e eficácia foram estabelecidas em ensaios clínicos aprovados pelas entidades reguladoras, ela ocorre a critério do médico responsável pelo tratamento. Alguns medicamentos podem ser amplamente utilizados fora da indicação por longos períodos antes de serem formalmente estudados em ensaios clínicos. Aplicações fora da indicação podem ser respaldadas por evidências científicas, como estudos de caso, mesmo na ausência de ensaios clínicos específicos nesse contexto. Pacientes com dúvidas sobre medicamentos fornecidos fora da indicação são incentivados a abordar suas preocupações com um membro confiável de sua equipe de cuidados de saúde.
Em suma, terapias celulares não comprovadas apresentam riscos substanciais para os pacientes, uma vez que não são submetidas aos rigorosos processos de ensaios clínicos e aprovação regulatória. É crucial que os pacientes estejam conscientes desses riscos, uma vez que a falta de supervisão e regulamentação adequadas pode expô-los a potenciais perigos. Portanto, é fundamental que eles busquem informações imparciais e consultem profissionais de saúde antes de considerar qualquer terapia não comprovada, garantindo assim a segurança e eficácia dos tratamentos propostos. No próximo texto abordaremos como identificar as características de tratamentos não aprovados.
Referências:
Artigo que define o que são terapias não comprovadas:
O que são “terapias não comprovadas”? | EuroGCT
Artigo da Sociedade Internacional de Pesquisa em Células-tronco (ISSCR) contra o uso de terapias não aprovadas:
Unproven Stem Cell “Treatments” — About Stem Cells
Artigo da European Medicines Agency (EMA) contra o uso de terapias não aprovadas