Controle de qualidade na produção de terapias baseadas em células-tronco
01 de Fevereiro de 2024 - Escrito por Yasmin Rana de MirandaA garantia da qualidade na produção de terapias baseadas em células-tronco mesenquimais é de extrema importância. Para assegurar a segurança e eficácia dessas terapias, são fundamentais as Boas Práticas de Laboratório, as Boas Práticas de Fabricação, o Controle de Qualidade e a conformidade com as exigências das autoridades regulatórias. O presente artigo detalha cada uma dessas práticas.
As células-tronco mesenquimais (CTMs) estão sendo amplamente estudadas pois possuem capacidade regenerativa e imunomoduladora sendo, portanto, muito interessantes para o tratamento de diversas condições médicas como: doenças ortopédicas, cardiovasculares, neurológicas, pulmonares, cutâneas e do sistema imunológico.
Para garantir a segurança e eficácia dos produtos de terapia celular com CTMs, é essencial que sejam seguidas normas que assegurem a qualidade dessas células. Neste contexto, as diretrizes de Boas Práticas de Laboratório, Boas Práticas de Fabricação e Controle de Qualidade são fundamentais.
Boas práticas de laboratório
As Boas Práticas de Laboratório (BPL) são um conjunto de ações para a realização de experimentos em laboratórios de pesquisa, com o objetivo de proporcionar a diminuição dos riscos do ambiente laboratorial. Elas visam garantir a qualidade e a integridade dos dados gerados em experimentos. Estas medidas são constituídas por atividades organizacionais do ambiente de trabalho e por procedimentos básicos como a utilização de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) e Equipamentos de Proteção Coletivos (EPCs), limpeza e higienização do ambiente laboratorial, entre outras.
As atividades realizadas em laboratório requerem do profissional uma série de cuidados, justificadas pelo risco à saúde, em função do manuseio de material biológico contaminado, bem como da utilização de vidrarias, equipamentos e produtos químicos. As BPL são fundamentais e referem-se às normas de conduta que regem os trabalhos, de modo a garantir a segurança individual e coletiva, bem como a reprodutibilidade da metodologia e dos resultados obtidos. Segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), as BPL objetivam avaliar o potencial de risco e o nível de toxicidade dos produtos visando a promoção da saúde humana, animal e ambiental.
As BPL incluem normas gerais de higiene, utilização de equipamentos e materiais, descontaminação, limpeza, esterilização e descarte de resíduos. Essas normas estão descritas de maneira detalhada na Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) 512/2021 da Anvisa e no documento Guia de Biossegurança e Boas Práticas Laboratoriais.
Boas práticas de fabricação
As BPF são um conjunto de procedimentos e normas, regulamentado pela Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) 658/2022 da Anvisa, que devem ser seguidos para garantir a segurança e a qualidade dos produtos farmacêuticos, incluindo os produtos de terapia celular. Estas práticas visam assegurar que os produtos atendam aos padrões de qualidade estabelecidos, minimizando riscos de contaminação, adulteração ou qualquer outra forma de comprometimento da qualidade. As BPF incluem requisitos para a infraestrutura, os equipamentos, os materiais, os procedimentos e os registros utilizados na fabricação.
No contexto das CTMs, as BPF incluem requisitos para a produção, o armazenamento, o transporte e o controle de qualidade das células. A produção das CTMs deve ser realizada em uma instalação com infraestrutura adequada e sob condições controladas. O armazenamento das CTMs deve ser realizado em condições que garantam a sua viabilidade e a sua qualidade. O transporte das CTMs deve ser realizado de forma a minimizar o risco de contaminação e garantir a qualidade das células. O controle de qualidade das CTMs deve ser realizado durante todo o processo de fabricação, incluindo a etapa de produção, o armazenamento e o transporte.
O cumprimento dessas Boas Práticas de Fabricação é fundamental para garantir a confiabilidade e a segurança das células-tronco mesenquimais, especialmente quando aplicadas em terapias regenerativas e medicina personalizada. Essas práticas são essenciais para cumprir os requisitos regulatórios e para estabelecer a confiança dos profissionais de saúde e pacientes.
Controle de qualidade
O controle de qualidade (CQ) está intrinsecamente relacionado às BPL e às BPF. Ele é essencial para garantir a consistência, confiabilidade e segurança dos resultados obtidos em laboratórios de pesquisa, bem como para garantir a qualidade de produtos destinados à fabricação em larga escala. Ele faz parte do Manual de Boas Práticas em Saúde e é uma exigência da Anvisa, sendo regulamentada pela Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) 302/2005 e definindo os requisitos necessários para que um laboratório realize suas atividades. As empresas que cumprem esses requisitos estão, portanto, prezando pela qualidade dos serviços oferecidos e se posicionando no mercado enquanto instituições íntegras e responsáveis.
O CQ corresponde ao conjunto de atividades destinadas a verificar e assegurar que os ensaios necessários e relevantes no desenvolvimento de um produto de terapia celular sejam executados e que esse produto não seja disponibilizado para uso e venda até que cumpra com a qualidade preestabelecida. O CQ não deve se limitar às operações laboratoriais, mas abranger todas as decisões relacionadas à qualidade do produto, e deve ser realizado durante todo o processo de fabricação, incluindo a etapa de produção, o armazenamento e o transporte.
Esse processo baseia-se em critérios pré-estabelecidos, que visam assegurar a precisão, exatidão e reprodutibilidade dos dados gerados na produção do produto ou aplicação da terapia. Ou seja, ele visa verificar se os métodos utilizados estão funcionando corretamente e se os equipamentos estão calibrados adequadamente. Além disso, busca identificar possíveis erros sistemáticos ou aleatórios que possam comprometer a validade dos resultados.
Para realizar o CQ são necessários dois tipos de análises: a interna e a externa. Com relação ao CQ interno, o laboratório deve monitorar o processo analítico por meio da análise das amostras controle. Essas análises devem ter seus resultados registrados para comprovações posteriores. Além disso, devem ser determinados seus critérios de aceitação. Com relação ao CQ externo, é necessária a participação do laboratório em Ensaios de Proficiência para todos os exames realizados na sua rotina. Assim como no controle interno, as amostras controles são analisadas da mesma forma que as amostras de pacientes. A diferença é que os resultados são submetidos a uma empresa externa, regulamentada pela Anvisa. Assim é possível garantir uma avaliação imparcial e confiável.
A seguir estão alguns aspectos chave de testes de CQ realizados em CTMs:
- Identificação e Caracterização Celular:
É crucial garantir que as células-tronco mesenquimais utilizadas sejam devidamente identificadas e caracterizadas.
Testes de marcação de superfície celular, como citometria de fluxo, podem ser empregados para confirmar a expressão de marcadores específicos, como CD90, CD73 e CD105, e a ausência de marcadores hematopoiéticos.
- Proliferação e Viabilidade Celular:
O controle da proliferação celular e da viabilidade é essencial para garantir que as CTMs mantenham suas propriedades regenerativas.
Testes de proliferação celular e ensaios de viabilidade são realizados para avaliar a capacidade das células de se multiplicarem e permanecerem viáveis durante o processo de cultivo.
- Pureza Celular:
A pureza das CTMs é crítica para evitar a contaminação por outras linhagens celulares.
Técnicas como a citometria de fluxo e a análise de PCR podem ser utilizadas para avaliar a pureza das populações celulares.
- Controle de Contaminação Microbiana:
Rigorosas práticas assépticas e testes microbiológicos são implementados para evitar a contaminação bacteriana, fúngica ou viral.
Testes de endotoxina também são realizados para garantir que os produtos finais estejam livres de endotoxinas bacterianas.
- Estabilidade Genética e Funcionalidade Celular:
Monitoramento da estabilidade genética das CTMs ao longo do tempo para garantir que não ocorram alterações indesejadas.
Avaliação da funcionalidade celular, incluindo a capacidade de diferenciação em linhagens celulares específicas quando apropriado.
- Segurança:
Testes de segurança, como a avaliação da formação de tumores em modelos animais, são conduzidos para garantir a segurança a longo prazo das CTMs.
Monitoramento da resposta imunológica para prevenir rejeição ou reações adversas.
- Documentação e Rastreabilidade:
Manutenção de registros detalhados de todas as etapas do processo de fabricação e dos testes de controle de qualidade.
Rastreabilidade completa para cada lote de produto, facilitando a identificação e resolução de problemas potenciais.
- Conformidade Regulatória:
Adesão rigorosa às regulamentações locais e internacionais é essencial para garantir que as terapias celulares cumpram os padrões de qualidade e segurança exigidos pelos órgãos regulatórios.
Em conclusão, a implementação das BPL, das BPF e do CQ é essencial para garantir a segurança e a eficácia dos produtos de terapia celular.
Referências:
RDC 512/2021:
https://antigo.anvisa.gov.br/documents/10181/6278771/RDC_512_2021_.pdf/5650229b-218e-467a-83dd-e292581c20fe
Guia de biossegurança e boas práticas laboratoriais:
RDC 302/2005:
http://antigo.anvisa.gov.br/documents/10181/5919009/RDC_302_2005_COMP.pdf/bf588e7a-b943-4334-aa70-c0ea690bc79f
Guia de controle de qualidade de produtos cosméticos:
RDC 658/2022:
https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/resolucao-rdc-n-658-de-30-de-marco-de-2022-389846242